Igor Scliar
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  • Foto do escritorMiguel Alves

Um por todos: Biofilmes e seu papel no desenvolvimento de infecções bacterianas

Quem nunca ficou sem beber álcool por estar tomando antibiótico? E sempre aquela história de continuar tomando mesmo depois de se sentir melhor… Descubra aqui os perigos do desenvolvimento de comunidades bacterianas e o que tem sido feito para controlar isso.




O que são Biofilmes e por que isso importa?

Biofilmes são comunidades microbianas complexas e dinâmicas, formadas por pequenas colônias e canais envoltosenvoltas por uma matriz. O biofilme se forma sequencialmente e sofre alterações ao longo do tempo, passando pelas etapas de i) adesão à superfície, ii) crescimento e iii) separação.

Na natureza, grande parte das bactérias se encontram em biofilmes mistos (mais de uma espécie presente), porém, qualquer bactéria é capaz de fazer biofilme, sendo possível gerar biofilmes a partir de apenas uma espécie bacteriana.


Figura 1: Processo de formação e dispersão de um biofilme. Retirado de López & Soto (2019)

Os biofilmes são importantes para as bactérias por permitem melhores condições de sobrevivência nos ambientes naturais. Por exemplo, biofilmes geram porum melhor aproveitamento de nutrientes, por ser um local de troca de material genético e ainda fornecer proteção contra meio de:

Proteção contra:

  • Radiação UV

  • Desidratação

  • Predadores

  • Antimicrobianos

  • Local de troca de material genético

  • Aproveitamento de nutrientes

Além disso, biofilmes são responsivos a mudanças ambientais, como variações de temperatura, pH, nível de oxigênio e outros nutrientes, permitindo a sobrevivência dos microorganismos mesmo em situações de estresse.

Por conta dessa alta adaptabilidade, os biofilmes podem ser formados sobre qualquer superfície, desde os dentes até os metais que compõem dutos de ar condicionado e tanques de fábricas. Desse modo, há uma ampla gama de áreas que são afetadas pela presença de biofilmes:

  • Medicina

    • Contaminação de próteses e biomateriais

      • Ortopedia

      • Catéteres

      • Lentes de contato

    • Infecções em órgãos e tecidos

      • Intestino

      • Trato urinário

      • Pulmões

      • Ossos

      • Coração

      • Boca (gengiva, dentes e língua)

  • Saúde pública

    • Rede de distribuição de água

    • Superfícies de preparo de alimentos

  • Indústria

    • Farmacêutica

    • Alimentos

    • Processamento

    • Transporte

Na área médica, os biofilmes são responsáveis por cerca de 80% de todas as infecções microbianas, e as infecções associadas a implantes compreendem até 70% de todas as infecções hospitalares, desde simples cáries dentárias até feridas crônicas.

Essa alta prevalência se deve ao fator da resistência provenida pelos biofilmes deixar as bactérias até 5.000 vezes mais tolerantes a antibióticos do que as células bacterianas isoladas. Como os biofilmes dificilmente são completamente erradicados, eles reaparecem após algum período de dormênciadormencia clínica, dando uma falsa impressão de que houve um tratamento bem-sucedido.


E agora? O que fazemos?

À medida que cresce o nosso conhecimento da composição do biofilme e dos mecanismos moleculares envolvidos no seu desenvolvimento, novos alvos sãoforam identificados e terapias inovadoras estão sendo desenvolvidas para uso individual ou em combinação com antibióticos tradicionais.


As estratégias para gerenciar a infecção por biofilme podem ser agrupadas em três principais categorias:

i. inibidores de adesão,

ii. inibidores da maturação do biofilme

iii. promotores de disrupção.


Os métodos associados a inibição do processo de adesão envolvem a modificação de superfícies dos materiais com agentes biocidas, além de alterar sua topografia e hidrofilidade, induzindo um perfil “auto-limpante” que impede o acúmulo de proteínas e adesão das bactérias para formar os biofilmes.


Além disso, a partir de estímulos ao sistema imune, podemos induzir uma prevenção eficiente contra biofilmes. Além das vacinas, que já possuem seu papel muito bem definido, as técnicas de “melhoramento” de macrófagos têmtem ganhado bastante destaque na prevenção a biofilmes.


Isso porque os biofilmes possuem mecanismos para evitar a absorção e morte por macrófagos. Para contornar essa situação, uma espécie de “mochila de macrófago” tem sido desenvolvida. Nela, polímeros biodegradáveis aderem à superfície do macrófago, fornecendo fatores para prolongar seu estado inflamatório. Ainda é possível suplementar essa “mochila” com agentes dispersantes de biofilmes para otimizar essa atuação, a partir de uma das técnicas descritas mais à frente.a frente.


Praticamente um cinto do batman.


Nos modelos que atuam em cima da maturação dos biofilmes, destacam-se as abordagens que envolvem a interferem nas vias de sinalização bacterianas. A dispersão do biofilme faz parte do seu ciclo de funcionamento, que envolve uma resposta bacteriana programada de ruptura da matriz a partir de enzimas, liberando bactérias metabolicamente ativas para se dispersarem para outras regiões. Diversas terapias se direcionam para a indução de ruptura do biofilme que ainda está em fase de desenvolvimento, o que impede não só que esse biofilme se propague para outras regiões, mas também degrada a estrutura ali presente e expõe as bactérias para serem tratadas com antibióticos.


Outra alternativa é a utilização de bacteriófagos, também conhecidos como fagos, que são vírus que infectam e matam bactérias. Eles são capazes de adentrar em biofilmes a partir de canais de água ou da degradação da matriz do biofilme. Os biofilmes também possuem algumas adaptações que envolvem bactérias resistentes a fagos, mas a partir da utilização de enzimas derivadas de fagos, é possível degradar a parede celular bacteriana para atuar em bactérias metabolicamentemetabolitamente inativas.


É possível ainda utilizar anticorpos monoclonais recombinantes para atuar em infecções por biofilmes, direcionando para proteínas de superfíciesuperficie celular bacteriana 一 prevenindoprevinindo a formação do biofilme 一 ou para os componentes da matriz do biofilme, desestabilizando sua estrutura, interferindo em sua maturação ou desencadeando a sua dispersão.


Por fim, as técnicas mais “clássicas”, associadas àa disrupção ativa dos biofilmes, envolvem métodos como a utilização dos clássicos antibióticos, que continuam sendo ótimas opções, apesar da natureza tolerante de biofilmes à seus efeitos. Isso porque novos medicamentos vêmvem sido desenvolvidos a partir de inteligência artificial e triagem virtual de medicamentos, envolvendo a produção rápida de estruturas e combinações químicas complexas, que possuem maior afinidade com os biofilmes e suas vias. Os avanços recentes na engenharia de peptídeos sintéticos e proteínas recombinantes auxiliaram na expansão das possibilidades de pequenas moléculas com ação antimicrobiana.


De forma complementar, é possível ainda utilizar biomateriais para realizar a liberação lenta e consistente de drogas no local do biofilme. Nesse caso, as nanopartículas têmtem sido cada vez mais utilizadas, liberando substâncias antimicrobianas, metais tóxicos ou agentes inorgânicos (como água oxigenada) para atuar em ambientes específicos, induzindo sua ativação via mudanças fisiológicas específicas (como pH ou resposta a estímulos) ou a partir de estímulos físicos externos, como campos fototérmicos, ultra-sonográficos ou magnéticos. Elas ainda podem ser adaptadas para possuir bicamadas fosfolipídicas, sendo capazes de penetrar em biofilmes e assim reduzir citotoxicidade ao hospedeiro.


O papel da proteína A e seu potencial como alvo terapêuticoterapeutico

As proteínas de interesse a serem intervidas possuem, no geral, papéis em atividades fundamentais das bactérias no ambiente de biofilme como aderência, motilidade, aquisiçãoaquisisão de moléculas e mecanismos de evasão imune.

Dentre elas, se destaca a proteína A, uma proteínapoteína de membrana externa, presente em bactérias gram-negativas, que está associada a formação de biofilmes, capacidade de infecção de células eucarióticas, resistência a antibióticos e imunomodulação, sendo assim fundamental para o aumento da virulência das bactérias.

Alguns trabalhos já constataram que, a partir da deficiênciadeficiencia em proteína A na composição dos biofilmes, aumenta-se a permeabilidade a macrófagos e diminui-se a capacidade de se estabelecer a infecção.


Existem empresas que trabalham com isso?

Tradicionalmente, as indústrias alimentícia e de tratamento de água são as principais demandas para um processo adequado de controle e remoção de biofilmes, para garantir uma segurança alimentar ao consumidor final. Assim, diversas empresas se direcionam para detecção e/ou eliminação de biofilmes para essas aplicações, o que geralmente se restringe a superfícies de objetos.


Já no caso da área médica, temos um complicador a mais, associado aà um tratamento dentro de um organismo vivo, de forma que a destruição do biofilme não induza danos graves às células do hospedeiro. Dessa forma, é mais complexo de encontrar uma empresa especializada em fornecer esse tipo de tratamento. Porém, alguns produtos para feridas, por exemplo, utilizam compostos de prata para controlar os biofilmes durante a cicatrização.


Por outro lado, ao invés de combater os biofilmes, eles podem ser utilizados na indústria, desde que a segurança dessa utilização seja garantida. Pesquisadores da UNESP começaram a produzir bioplásticos a partir de bactérias, para substituir embalagens de alimentos. A celulose bacteriana é a base do bioplástico, em forma de nanocristais, junto com a hidroxipropil metilcelulose (HPMC). Parece complicado, mas o foco é o processo de reaproveitamento e produção de um material 100% biodegradável.

Entretanto, como discutido ao longo do texto, diversos estudos têmtem sido desenvolvidos para descobrir novos tratamentos e acelerar sua chegada ao mercado. Para isso, diversos anticorpos, biomateriais e moléculas estão presentes no iBench Marketplace para facilitar o desenvolvimento dessas pesquisas.


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